Na última cidade visitada pelo projeto MPF na Comunidade, moradores das comunidades não têm assegurado o direito à saúde e educação diferenciadas, previstos por lei
Afuá: governos falham em proteger ribeirinhos como povos tradicionais
Audiência Pública em Afuá traz a tona problemas na educação ribeirinha. Fotos: Helena Palmquist/Ascom/MPF-PA
Depois de 14 dias visitando os municípios do Marajó, a itinerância fluvial cooperativa da Amazônia alcançou o município de Afuá, no extremo norte da ilha, próximo de Macapá, no Amapá. Na passagem pela cidade, famosa por ser toda construída em cima de palafitas e pela proibição de veículos motorizados, o Ministério Público Federal (MPF) promoveu audiência pública com moradores das zonas urbana e rural, com a presença do prefeito Odimar Salomão e de muitos profissionais da saúde e da educação.
Um dos temas mais importantes na audiência pública foi o projeto da prefeitura de Afuá de fechar salas de aula em comunidades ribeirinhas, remanejando alunos para escolas-pólo muitas vezes a longas distâncias dos lugares onde moram. Moradores e professores denunciaram ao MPF o fechamento das escolas em zonas ribeirinhas e apontaram riscos de evasão escolar e até de problemas de saúde, já que as crianças podem ter que enfrentar viagens de horas, sem comer, até as escolas.
A secretária de educação Kelly Cristina defendeu o remanejamento, afirmando que as salas a serem fechadas tem poucos alunos, nenhuma estrutura e funcionam no sistema multisseriado, em que um professor ministra aulas ao mesmo tempo e no mesmo espaço físico para alunos de várias séries diferentes. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) aferido em Afuá pelo governo federal é um dos mais baixos do país: 3,2. Para se ter uma ideia, o município com a melhor nota, Sobral, no Ceará, tem o índice 8,8.
As dificuldades de Afuá não são, no entanto, muito diferentes de outros municípios da Amazônia com modo de vida ribeirinho. Para o MPF, os ribeirinhos amazônicos são povos tradicionais, com direito à mesma proteção assegurada pelas leis brasileiras a quilombolas ou indígenas e deveriam ter acesso a saúde e educação diferenciadas, com políticas específicas que levem em consideração as particularidades da vida nas margens dos rios da região. É comum que as prefeituras denunciem repasse insuficiente de verbas para o transporte fluvial de alunos, por exemplo, ou a dificuldade de levar alimentação de qualidade para locais distantes, sem dinheiro para contratação de barcos com câmaras frigoríficas.
A merenda escolar em salas de aula ribeirinhas – como as que o município de Afuá planeja remanejar – muitas vezes se limita a suco com bolacha, de acordo com denúncias feitas na audiência pública. Em um local que produz camarão, pescados e açaí em abundância, a situação se explica por problemas burocráticos. Uma das denúncias recebidas pelo MPF foi que os moradores ribeirinhos não conseguem vender seus produtos para que a alimentação escolar por falta de um certificado, a Declaração de Aptidão ao Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar).
O documento é emitido pelo Instituto Nacional da Reforma Agrária (Incra) e, apesar de Afuá ficar muito mais próximo de Macapá do que de Belém, apenas o escritório do Incra na capital paraense pode fazer a emissão. Não existe nenhuma embarcação que faça transporte de passageiros entre Belém e Afuá, uma distância de 320 quilômetros. Já para chegar em Macapá, a apenas 84 quilômetros, existem viagens diárias que podem durar de 3 horas a 6 horas dependendo da embarcação. O entrave burocrático impede os ribeirinhos de venderem os produtos ao município, o que encarece os custos ao mesmo tempo em que empobrece o valor nutricional da merenda.
MPF na comunidade
O projeto MPF na comunidade integrou a itinerância fluvial cooperativa da Amazônia, que reuniu diversos órgãos públicos levando serviços aos moradores do Marajó, uma das regiões mais pobres do país. Durante 14 dias, o navio auxiliar Pará, da Marinha do Brasil, percorreu oito municípios da região fazendo atendimentos jurídicos, previdenciários, médicos e odontológicos. Enquanto os moradores eram atendidos no navio, a equipe do MPF desembarcava para verificar a situação dos serviços públicos em cada cidade.
No total, o MPF fez 90 requisições de explicações aos municípios, expediu 16 recomendações, realizou 6 vistorias em hospitais, 2 vistorias em escolas, 4 audiências públicas, 5 reuniões com membros do Ministério Público Estadual, 15 com representantes da sociedade civil e 5 com prefeitos que receberam diretamente recomendações e ofícios. 56 pessoas apresentaram denúncias à equipe do MPF, por meio de oitiva.
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