Por Otoniel Souza*
Estes escritos se debruçam um pouco
sobre o contexto da Semana da Pátria, ao longo de alguns anos, em nosso
município de Portel (PA), tentando descrever, grosso modo, as causas da inércia
nas escolas, sobretudo na despolitização do ato pedagógico, o que pode implicar
gravemente na formação (pela escola) de uma geração de educando sem nenhum
interesse por seus direitos ou seus deveres cívicos, ou ainda pior, que não dão
a mínima para as manifestações sociais e demais expressões da cidadania e do
exercício democrático, fazendo surgir e favorecendo os maus políticos, a
corrupção, os desvios de verbas públicas num efeito dominó, com demasiado
prejuízo aos serviços públicos de qualidade em saúde, educação, saneamento
básico, entre outros.
Sou de um período, desde a escola
“Amazonas” (localizou-se onde é hoje o prédio da SEMED), onde aprendi as primeiras
letras, chegando à escola Paulino de Brito, período em que as escolas tinham
uma solene preocupação em repassar aos alunos os valores cívicos por meio de
práticas didático-pedagógicas, onde os alunos aprendiam o real significado dos símbolos nacionais, dos vultos históricos
e das glórias de nossa trajetória histórica de país e de nação. Não deixando de
tratar também de nossas feridas históricas: a colonização, a escravidão, as
oligarquias políticas, os coronéis do barranco e as multinacionais.
E isso era tão importante que os alunos
e a comunidade em geral desenvolviam o espírito cívico, traduzido na festa do
sete de setembro, com a banda da Igreja Assembleia de Deus fazendo a alvorada
musical e despertando toda a cidade para a grande festa da cidadania e
democracia. As famílias participavam eufóricas, enfeitadas dos símbolos
nacionais, assistiam os filhos nos desfiles das escolas no sete de setembro.
Ouvíamos as autoridades e o desfilar das escolas apresentando variados temas,
com elementos da cultura, da Arte, da história do Pará e do Brasil, além de
alertar a todos com temas sobre meio ambiente, sustentabilidade, denunciando o
desmatamento, a violência, as drogas licitas e ilícitas, etc.
Mas para desenvolver esse espirito
cívico, crítico-participativo, lembro-me que nossos professores politizavam o
ato pedagógico, não no sentido da política partidária, da politicalha, da
política baixa e mesquinha, mas no sentido de desenvolver o senso crítico, de
olhar o fato ou o fenômeno estudado além
da versão oficial trazida pelos livros didáticos, no dizer de Gadotti e Romão: “A politização do
ato pedagógico tem relação íntima com a questão da recuperação da funcionalidade do saber escolar, isto é, a recaptura
da instrumentalidade do que é desenvolvido na sala de aula para o projeto de
vida do aluno” (GADOTTI & ROMÃO, 2008,
p. 69).
Lembro que uma
professora se destacou neste aspecto, professora Edina Fialho, que
brilhava e ainda brilha nas suas aulas de história, nos fascinando com os
acontecimentos e vultos históricos do Pará, do Brasil e do mundo, mas nos fazendo
refletir criticamente a respeito, sempre articulando os fatos e fenômenos à
realidade sensível e vivida no contexto de cada aluno. A professora Edina
Fialho colocava em pratica não um ensino de história meramente linear, político
e factual, mas trabalhava conforme a concepção da escola de Analles, onde toda a sociedade estivesse representada
com suas emoções, paixões, medos, concentrando esforços em uma
metodologia que se preocupava, sobretudo, em possibilitar ao aluno, meios para
relacionar a história com o mundo que o cerca, atuando como agente histórico,
que valoriza seu passado e vê o presente de um ponto de vista
crítico-reflexivo.
A escola
do presente precisa resgatar essa instrumentalidade para o ensino, se quiser
formar novas gerações de alunos “[...] visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho”, conforme está registrado e assegurado em nossa carta magna (Art. 205
da Constituição Federal).
Aos
educadores, categoria da qual faço parte, precisamos resgatar a politização do
ato pedagógico. O
mestre Paulo Freire ensina que não é possível esperar que a sociedade solidária
e justa se realize para só então pôr-se em prática a construção de uma educação
crítica e libertadora. É na sociedade atual, e por causa dela, que individual e coletivamente os
educadores devem assumir o papel de sujeitos construtores da escola e da
sociedade liberta da opressão.
Num contexto atual de Brasil, onde
pipocam manifestações sociais, principalmente nos grandes centros, por redução
do valor da passagem de ônibus, melhorias na educação, na saúde, saneamento
básico, reforma política contra a corrupção, etc. Aqui em nosso município de
Portel, presenciamos pífia manifestação, até mesmo entre os educadores na greve
para garantir melhores condições de trabalho, pela não perseguição política aos
professores, pela não redução de benefícios já conquistados, pela atualização
do PCCR, PCCR Unificado e o pagamento atrasado do mês de dezembro de 2012.
E o que é muito triste nesse cenário foi
ver educadores furando greve, criticando seus colegas como “vagabundo”, sem
compromisso por não está dando aula e sim fazendo a greve. Foi ver alunos e
funcionários dizendo que “manifestações deste tipo não levam a nada e que não
adianta fazer nada”; “que sempre foi assim e sempre será”. Pelo contrário,
valeu sim. Fomos às ruas contra os pessimistas, contra a tirania, com a ajuda
dos pais, do judiciário e fomos vencedores, o governo teve que recuar e receber
nossa comissão e aceitar nossas condições. Dando uma lição a todos de que temos
que lutar por nossos direitos, principalmente aqueles inscritos e assegurados
na nossa Constituição Federal. Aliás, a maioria das conquistas asseguradas e
garantidas na Constituição Federal teve que ser conquistada com lutas e
divergências ideológicas, lutas sangrentas, pessoas pagaram com a vida o preço
de um regime mais democrático no país.
Por
isso mesmo é que precisamos resgatar em nossas escolas, por meio da politização
do ato pedagógico, a FINALIDADE da educação, qual seja: “O PLENO desenvolvimento do educando, seu preparo para o EXERCÍCIO
da CIDADANIA e sua qualificação para
o trabalho” (cf. Art. 2º da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 2006 – LDB). É preciso
desenvolver a docência com nossas crianças, adolescentes, jovens e adultos
dessa presente geração, educando para a cidadania e exercitando, já no bojo do
processo educativo, a capacidade de participação e decisão nos assuntos
públicos que lhes dizem respeito dentro do âmbito escolar, participando dos
grêmios estudantis, dos conselhos escolares e demais organizações para escolar.
Cadê os Grêmios Estudantis? Qual escola tem Grêmio Estudantil em Portel?
Segundo
Xesús R. Jares (2006), a cidadania pressupõe, além do estado de direito, a capacidade de decisão de todas as pessoas nos assuntos públicos,
em um contexto de democracia participativa, laica, multicultural e solidária.
[...] Assim, a principal missão da
educação para a cidadania consiste em formar pessoas politicamente e moralmente
ativas, conscientes de seus direitos e obrigações, responsáveis e respeitosas,
comprometidas com a defesa da democracia e dos direitos humanos, sensíveis, solidárias
com as circunstâncias dos demais e com o meio em que vivemos (JARES, 2006,
p.9, grifos nossos).
Essa
preparação e formação se fazem praticando no âmbito da escola cotidianamente. A
escola é para isso também. Refletindo
sobre a virtuosidade pedagógica dos movimentos sociais, Miguel Arroyo (ARROYO,
2002) destaca que os sindicatos tiveram um papel pedagógico relevante e
reconhecido. Agiram como escolas de
formação de liderança e de formação política das diversas categorias de
trabalhadores. Destaca que os movimentos sociais não deixaram de ter papel
pedagógico, formaram lideranças também e
contribuíram para educar as camadas populares nem sempre tocadas pela
mobilização operaria. Em frente diversas cumpriram papéis educativos
próximos. “Os coletivos que tanto
arriscam não estariam a nos apontar que intuem que, sem terra, sem teto, sem
moradia, sem trabalho, sem igualdade, sem identidade, não há como viverem a condição humana? Não dá para se formar como humanos? É a lição que teve de aprender o
ser humano nos tensos processos de sua constituição como sujeito de cultura, de
pensamento e de valores, de dignidade e de direitos” (ARROYO, 2002, p. 175,
grifo nosso).
Acredito
que dessa maneira, poderemos formar (por meio da educação) uma futura geração
de pessoas que sejam mais cidadãs e que fortaleçam a democracia, conscientes da
nossa trajetória histórica de país e de nação, das lutas por maiores direitos
civis, sociais e políticos, transparência e controle social das verbas
públicas. É dessa forma que afastaremos um futuro de autoritarismo, de
corrupção, de desinteresse e desesperança na organização e participação social.
Referenciais:
ARROYO, Miguel. Pedagogias em movimentos: o que temos a aprender com os
movimentos sociais? In: SCALABRIN, R., SILVA, R. & LIMA, A (Orgs.) Trabalho
e desenvolvimento na Amazônia: as experiências formativas da CUT, Belém,
Edufro, 2002.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Lei nº 9.394/96. Brasília: Senado Federal, 2002. BRASIL.
Constituição. Brasília, 1988.
GADOTTI, Moacir & ROMÃO. Projeto Político Pedagógico da Escola:
fundamentos para a sua realização In:
José E. (Orgs.). Autonomia da Escola: princípios e propostas – 5ª ed. –
São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2002 (Guia da escola cidadã; v. 1).
JARES, Xesús R. Cidadania no currículo. Pátio revista pedagógica. Porto alegre.
Artmed Editora S.A. Ano IX Nº. 36, Novembro 2005/Janeiro 2006.
*Otoniel Souza é coordenador pedagógico na escola Alcides Monteiro. Já ocupou o cargo de diretor da escola Lourdes Brasil. Também integra a nova coordenação do SINTEPP-subsede Portel.
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