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quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Caos na Funai de Altamira leva MPF à Justiça mais uma vez contra Belo Monte

Justiça pode obrigar governo e Norte Energia a cumprir condicionantes indígenas. É a 22a ação do MPF por irregularidades no licenciamento da usina

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou em Altamira a 22a ação judicial contra a usina de Belo Monte, pelo descumprimento das condicionantes que deveriam evitar e compensar os impactos da usina às 9 etnias atingidas. A situação da Fundação Nacional do Índio em Altamira é de caos, com metade dos servidores que deveria ter para atender a sobrecarga causada pelos impactos do empreendimento e funcionando em uma sede provisória dentro da Universidade Federal do Pará (UFPA), sem banheiro, nem telefone.

Os graves problemas fizeram com que a Fundação reconhecesse, por escrito, ao MPF, que as obrigações com os povos indígenas não estão sendo cumpridas, o que deveria acarretar a suspensão da licença da usina. Mas nenhuma medida concreta foi tomada. Por isso, o MPF quer que a Justiça reconheça a situação e obrigue os réus (governo, Funai e Norte Energia) a concretizar 8 medidas fundamentais, no prazo de 60 dias, sob pena de suspensão compulsória das licenças ambientais. O MPF também pede que não seja concedida licença de operação em caso de descumprimento.

A situação das populações indígenas atingidas por Belo Monte no médio rio Xingu é considerada insustentável pelo MPF. Os compromissos e obrigações previstos desde 2010 para evitar e compensar os impactos não foram cumpridos até hoje. A ação enumera os graves prejuízos.

“Presença constante dos índios na cidade, em locais provisórios e degradantes; ruptura completa da capacidade produtiva e alimentar; conflitos sociais, divisão de aldeias e deslegitimação das lideranças; vulnerabilidade extrema, com aumento do alcoolismo, consumo de drogas e violência sexual contra menores; modificação radical dos hábitos alimentares; surgimento de novas doenças, como diabetes, obesidade e hipertensão; super produção de lixo nas aldeias; vulnerabilidade das terras indígenas; diminuição da oferta de recursos naturais; conflitos interétnicos; impedimento do usufruto de seus territórios e desestímulo às atividades tradicionais. Esses são apenas alguns exemplos do que Belo Monte representa hoje aos povos indígenas do médio Xingu.”

Uma perícia do MPF no prédio da Funai em Altamira comprovou a situação calamitosa: são apenas 24 funcionários efetivos para atender uma área de quase 6 milhões de hectares, 37 aldeias, 9 etnias e 8 municípios. Como o atendimento de saúde continua precário nas aldeias, dezenas de índios permanecem em Altamira, vivendo nas varandas do prédio provisório. “O espaço físico é exíguo, inadequado e sem manutenção, encravado no meio do campus da UFPA em Altamira, ocupado permanentemente por indígenas alojados nas varandas, por não terem onde ficar em Altamira. Não há sequer um sanitário! O telefone fixo não funciona e quando tem que se comunicar os servidores tem que usar seus telefones celulares pessoais. Equipamentos insuficientes e obsoletos. Veículos terrestres e aquáticos abandonados, sem manutenção, amontoados na área externa”, diz o laudo pericial do MPF.

Para o MPF, a incapacidade do poder público de obrigar o cumprimento das condicionantes e de, nos casos de descumprimento, aplicar as punições necessárias levou a Norte Energia a controlar totalmente o processo de licenciamento ambiental. “O empreendedor reescreve suas obrigações e implementa políticas anômalas, sem o devido controle da Funai, incapacitada que está de cumprir sua missão institucional e de fazer valer as normas deste licenciamento”, constata o MPF.

“A Norte Energia recusa-se a cumprir suas obrigações e as reescreve como se soberana fosse. O poder público faz supor que, dentre suas escolhas políticas, inclui-se a opção de desprezo às normas do devido processo de licenciamento. E a Funai se omite de seu dever de proteger os povos indígenas e de fiscalizar a implementação do componente indígena deste licenciamento”, concluem os procuradores da República Thais Santi, Cinthia Arcoverde, Higor Rezende Pessoa, Ubiratan Cazetta e Felício Pontes Jr, signatários da ação judicial.

Além do caos na sede de Altamira, a insuficiência de recursos impede a Funai de fiscalizar as ações das subcontratadas da Norte Energia para obras na aldeia. Foram enviados operários para as aldeias para construção de casas sem nenhuma supervisão e há denúncias de violência sexual contra indígenas. As casas não obedeceram nenhum cuidado antropológico para se adequar aos costumes dos povos indígenas e muitas permanecem vazias por serem quentes demais para a região. O MPF teme que, nos próximos meses, novos problemas surjam nas aldeias com o início das obras nas estruturas de saúde e educação, novamente sem supervisão.

“É inegável que, sem as ações indispensáveis para que a região suportasse os impactos de sua instalação, o custo socioambiental de Belo Monte está sendo transferido, de maneira ilegal, aos atingidos. E, considerando que a implementação do componente indígena sempre foi o ponto mais sensível das discussões que se travaram, desde a década de 80, em torno deste projeto, eventual alegação de reserva do possível por parte do governo federal implica no reconhecimento de sua incapacidade para a realização de uma obra com um grau de impacto dessa magnitude. O que imporia o reconhecimento da inviabilidade da usina”, dizem os procuradores da República.

A ação tramita na Vara Federal de Altamira e pede que o governo, a Funai e a Norte Energia sejam obrigados a apresentar, em 30 dias um plano para implementar, em outros 60 dias, as seguintes ações de compensação aos índios pelos impactos de Belo Monte:

1. Definição sobre a locação de sede provisória para a Funai em Altamira;
2. Definição do imóvel para abrigar a sede definitiva da Funai em Altamira, que deverá considerar o vínculo histórico que os indígenas guardam com o imóvel atual, e com a proximidade do rio Xingu;
3. Cronograma para as obras de construção da sede definitiva da Funai em Altamira pelo empreendedor;
4. Relatório detalhado, apresentado pela Funai, sobre a demanda de servidores a serem lotados na Funai em Altamira e em Brasília, para que o órgão indigenista esteja capacitado para atuar na região da UHE Belo Monte, que deverá levar em consideração a análise já realizada pela Coordenação Regional;
5. Relatório e cronograma para adequação da dotação orçamentária da Funai em Altamira, de modo a garantir a sua capacidade de ação;
6. Termo de Compromisso, a ser celebrado entre Funai e Norte Energia, ou outro instrumento apto a fazer cumprir o disposto no Parecer Técnico n. 21/ Funai/BeloMonte/2009, consistente em “contribuir para a melhoria da estrutura (com apoio financeiro e de equipe técnica adequada), da Funai, para que possa efetuar, em conjunto com os outros órgãos federais (Ibama, ICMbio, Incra entre outros) a gestão e controle ambiental e territorial da região, bem como acompanhamento das ações referentes ao Processo”;
7. Cronograma, apresentado pela União, prevendo a realização de concurso público para contratação de servidores pelo Poder Público para atuar na Funai em Altamira e Brasilia, diretamente vinculados ao processo de Belo Monte;
8. Edital de convocação de processo seletivo simplificado, para contratação pela Funai de no mínimo 34 servidores para atuar em Altamira, com recursos repassados pelo empreendedor, o qual deverá contemplar a contratação imediata de funcionários para atuar face à demanda excepcional que o empreendimento de Belo Monte impôs à região, até que sejam contratados servidores públicos efetivos, segundo Plano de Ação e cronograma apresentado pelo Poder Público;

Processo no. 0002694-14.2014.4.01.3903


Ministério Público Federal no Pará
Assessoria de Comunicação

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