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Estudos
ambientais mostram impactos irreversíveis sobre indígenas que vivem
em isolamento voluntário, mas foram ignorados pela Empresa de
Pesquisa Energética e pelo Ibama.
A
Justiça Federal do Mato Grosso suspendeu o licenciamento da usina
hidrelétrica de São Manoel no rio Teles Pires, próximo à divisa
com o estado do Pará. O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente
(Ibama) deve suspender a licença prévia que concedeu ao
empreendimento, sob pena de multa de R$ 500 mil. O juiz Ilan Presser,
da 1ª Vara de Cuiabá, assinalou que “é inadmissível a imposição
da aceleração de um procedimento complexo de licenciamento, que
ignore os impactos socioambientais sobre as comunidades com povos
indígenas isolados.” A liminar atende pedido do Ministério
Público Federal (MPF).
De
acordo com os Estudos de Impacto Ambiental da usina de São Manoel, a
usina atingirá as terras indígenas Munduruku, Kayabi e Apiaká do
Pontal. Nessa última, vivem indígenas que optaram pelo isolamento
voluntário como estratégia de sobrevivência, em decorrência da
traumática relação travada com não-índios. Os estudos apontam
que a obra de uma grande usina na região vai provocar escassez
irreversível de recursos naturais hoje abundantes para as populações
indígenas, além da proliferação, também irreversível, de
doenças como leishmaniose, dengue, febre amarela, malária e outras.
Diante desses impactos, o grupo de isolados que perambula na terra
Apiaká é o mais vulnerável de todos os indígenas afetados.
“Não
se pode admitir, no presente momento, a continuidade do licenciamento
da UHE São Manoel, sob pena de malferimento dos artigos 216 e 231 da
Constituição, a permitir um etnocídio da minoria dos índios
isolados pela sociedade envolvente”, diz a decisão judicial. Os
artigos 216 e 231 tratam da proteção do patrimônio cultural
brasileiro e dos direitos indígenas. “A vontade da Constituição
é de preservação e fomento do multiculturalismo; e não da
produção de um assimilacionismo e integracionismo, de matriz
colonialista, impostos pela vontade da cultura dominante em
detrimento dos modos de criar, fazer e viver dos índios isolados”,
diz a decisão.
A
Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que foi a contratante dos
estudos de impacto, chegou a alegar que os impactos sobre os isolados
eram reduzidos por conta da distância entre a usina e a área onde
perambulam. A essa alegação a decisão judicial responde: “a
análise do impacto sobre os povos isolados não pode se limitar à
tacanha e matemática verificação da distância geográfica da TI
em que estão localizados os índios isolados e a usina. Há a
possibilidade de impactos diretos e indiretos mesmo com centenas de
quilômetros de distância, conforme se extrai da leitura do Estudo
do Componente Indígena, que foi produzido por uma das rés, Empresa
de Pesquisa Energética.”
A
Justiça também chamou atenção para o fato de que não se trata de
apenas uma usina, mas de um conjunto de empreendimentos que pode
mudar completamente a região inteira. O complexo hidrelétrico do
rio Teles Pires prevê sete barragens: UHE Teles Pires, UHE Colíder,
UHE Sinop, UHE São Manoel, UHE Foz do Apiacás, UHE Magessi e UHE
Salto do Apiacás.
Processo
nº 0017643-16.2013.4.01.3600
Veja
abaixo trechos dos estudos de impacto que apontam o que deve
acontecer com os povos indígenas afetados pela usina São Manoel
Impactos:
1
- Interferência sobre a fauna e flora terrestre e os recursos de
caça: natureza do impacto - negativa; prazo de permanência -
permanente; reversibilidade – irreversível; probabilidade de
ocorrência – pouco provável, intensidade – baixa; significância
– alta; importância – baixa.
2
- Interferência sobre a disponibilidade dos recursos de pesca à
jusante da barragem: natureza do impacto - negativa; prazo de
permanência - permanente; reversibilidade – irreversível;
probabilidade de ocorrência – certa, intensidade – alta;
significância – alta; importância – alta.
3
- Alteração da dinâmica fluvial - natureza do impacto - negativa;
prazo de permanência - permanente; reversibilidade – irreversível;
probabilidade de ocorrência – certa, intensidade – baixa;
significância
– alta; importância – média.
4
- Aumento da Incidência de doenças na população indígena:
natureza do impacto - negativa; prazo de permanência - permanente;
reversibilidade – reversível; probabilidade de ocorrência –
provável, intensidade – baixa; significância – alta;
importância – média.
5
- Criação ou intensificação de conflitos territoriais: natureza
do impacto - negativa; prazo de permanência – permanente;
reversibilidade – reversível; probabilidade de ocorrência –
pouco provável, intensidade – baixa; significância – alta;
importância – média.
6
- Alterações nas relações dos índios com as atividades
econômicas - natureza do impacto - ambivalente; prazo de permanência
- permanente; reversibilidade – reversível; probabilidade de
ocorrência – provável; intensidade – baixa; significância –
baixa; importância – baixa.
7
- Alterações na paisagem e perda de referenciais socioespaciais e
culturais - natureza do impacto - negativa; prazo de permanência -
permanente; reversibilidade – irreversível; probabilidade de
ocorrência – certa, intensidade – baixa; significância –
alta; importância – média.”
Doenças
“Uma
das questões preocupantes no contato das populações indígenas com
não índios é a sua exposição a novos agentes de contaminação,
para os quais podem não possuir qualquer tipo de imunidade. No caso
dos novos empreendimentos, esse contato tende a aumentar
significativamente,
em
função dos contingentes populacionais atraídos e do conseqüente
aumento na circulação de pessoas nas proximidades da Terra Indígena
Kayabi. No que se refere aos recursos hídricos, a deterioração da
qualidade da água a jusante das barragens pode expor os índios a
contaminações de diversas naturezas, uma vez que se trata de um
recurso importante para muitas atividades, inclusive para o consumo
humano direto.”
Conflitos
fundiários
“Acredita-se
que a introdução de um novo vetor de desenvolvimento em uma região
tensa e frágil, do ponto de vista fundiário, poderá desencadear
novos conflitos e acirrar aqueles existentes, uma vez que provoca um
aumento significativo da população e tende a estimular as
atividades ali presentes, como a pecuária, o turismo, a pesca, o
garimpo e a extração de madeira, assim como a compra e venda de
terras para fins especulativos.”
Ministério
Público Federal no Pará
Assessoria de Comunicação
(91) 3299-0148 / 8402-2708 / 8403-9943
ascom@prpa.mpf.gov.br
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