Sala de professor em Portel, Pará |
Diz-se que uma espécie encontra-se ameaçada
quando a população decresce a ponto de situá-la em condição de extinção.
Tal processo é fruto da exploração econômica e do desenvolvimento
material, e atinge aves e mamíferos em todo o planeta. Nos trópicos,
esse pode ser o caso dos estudantes. Curiosamente, enquanto a população
de alunos aumenta, a de estudantes parece diminuir. Paradoxo? Parece,
mas talvez não seja.
Aluno é aqueleque atende regularmente a um
curso, de qualquer nível, duração ou especialidade, com a suposta
finalidade de adquirir conhecimento ou ter direito a um título. Já o
estudante é um ser autônomo, que busca uma nova competência e pretende
exercê-la, para o seu benefício e da sociedade. O aluno recebe. O
estudante busca. Quando o sistema funciona, todos os alunos tendem a se
tornar estudantes. Quando o sistema falha, eles se divorciam. É o que
parece ocorrer entre nós: enquanto o número de alunos nos ensinos
fundamental, médio e superior cresce, assombram-nos sinais do
desaparecimento de estudantes entre as massas discentes.
Alguns
grupos de estudantes sobrevivem, aqui e acolá, preservados em escolas
movidas por nobres ideais e boas práticas, verdadeiros santuários
ecológicos. Sabe-se da existência de tais grupos nos mais diversos
recantos do planeta: na Coreia do Sul, na Finlândia e até mesmo no
Piauí. Entretanto, no mais das vezes, o que se veem são alunos, a agir
como espectadores passivos de um processo no qual deveriam atuar como
protagonistas, como agentes do aprendizado e do próprio destino.
Alunos
entram e saem da sala de aula em bandos malemolentes, sentam-se nas
carteiras escolares como no sofá de suas casas, diante da tevê, a
aguardar que o show tenha início. Após 20 minutos, se tanto, vêm o
tédio e o sono. Incapazes de se concentrar, eles espreguiçam e bocejam.
Então, recorrem ao iPhone, à internet e às mídias sociais. Mergulhados
nos fragmentos comunicativos do penico digital, lambuzam-se de
interrogações, exclamações e interjeições. Ali o mundo gira e o tempo
voa. Saem de cena deduções matemáticas, descobertas científicas, fatos
históricos e o que mais o plantonista da lousa estiver recitando. Ocupam
seu lugar o resultado do futebol, o programa de quinta-feira e a praia
do fim de semana.
As razões para o aumento do número de alunos
são conhecidas: a expansão dos ensinos fundamental, médio e superior,
ocorrida aos trancos e barrancos, nas últimas décadas. A qualidade
caminhando trôpega, na sombra da quantidade. Já o processo de extinção
dos estudantes suscita muitas especulações e poucas certezas. Colegas
professores, frustrados e desanimados, apontam para o espírito da época:
para eles, o desaparecimento dos estudantes seria o fruto amargo de uma
sociedade doente, que festeja o consumismo e o prazer raso e imediato,
que despreza o conhecimento e celebra a ignorância, e que prefere a
imagem à substância.
Especialistas de índolecrítica advogam que
os estudantes estão em extinção porque a própria escola tornou-se
anacrônica, tentando ainda domesticar um público do século XXI com
métodos e conteúdos do século XIX. Múltiplos grupos de interesse, em
ação na educação e cercanias, garantem a fossilização, resistindo a
mudanças, por ideologia de outra era ou pura preguiça. Aqui e acolá,
disfarçam o conservadorismo com aulas-shows, tablets epedagogia pop. Mudam para que tudo fique como está.
Outros
observadores apontam um fenômeno que pode ser causa-raiz do processo de
extinção dos estudantes: trata-se da dificuldade que os jovens de hoje
enfrentam para amadurecer e desenvolver-se intelectualmente. A
permissividade criou uma geração mimada, infantilizada e egocêntrica,
incapaz de sair da própria pelé e de transcender o próprio umbigo. São
crianças eternas, a tomarem o mundo ao redor como extensão delas
próprias, que não conseguem perceber o outro, mergulhar em outros
sistemas de pensamento e articular novas ideias. Repetem clichês. Tomam
como argumentos o que copiam e colam de entradas da Wikipédia e do que
mais encontram nas primeiras linhas do Google. E criticam seus mestres,
incapazes de diverti-los e de fazê-los se sentir bem com eles próprios.
Aprender cansa. Pensar dói.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/revista/794/procuram-se-estudantes-7060.html
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