O processo de reocupação ribeirinha do reservatório
da hidrelétrica pode trazer participação inédita de grupos tradicionais que
ficaram invisíveis durante o licenciamento ambiental
O Ministério Público Federal disparou no final de
julho uma série de manifestações aos órgãos governamentais envolvidos no
licenciamento da usina hidrelétrica de Belo Monte, assim como à Norte Energia,
responsável pelo empreendimento, buscando uma solução viável para os ribeirinhos
e pescadores atingidos por Belo Monte. Viável, no entendimento do MPF, é
exclusivamente uma proposta que reconheça e mantenha o modo de vida tradicional
dessas populações, que vinha sendo violado no processo de instalação da usina.
Segundo o MPF: “o cotidiano do ribeirinho guarda uma
dinâmica peculiar, num fluxo entre o rio e a cidade, no qual a dupla moradia tem
um papel indispensável à manutenção do seu modo de vida. Deste modo, ficou
evidente que, para garantir o modo de vida ribeirinho é necessário primeiro
reconhecê-lo e, no mínimo: 1. a garantia de sua territorialidade no rio, que
inclua seu ponto de pesca e sua moradia na ilha ou margem; 2. a garantia da
pesca após as alterações que o desvio do curso do rio vai acarretar e; 3. a
garantia do acesso ao núcleo urbano, com moradia próxima ao rio”.
As violações ao modo de vida ribeirinho foram
constatadas em junho de 2015 durante inspeção feita pelo MPF e diversas
instituições governamentais e não-governamentais. Enumeradas em relatório
enviado ao governo no mês passado, as situações vividas pelos moradores das
beiras e ilhas do Xingu removidos por Belo Monte indicam que houve
descumprimento das regras do licenciamento ambiental e desconhecimento sobre o
modo de vida tradicional da região amazônica.
Após a inspeção, as remoções de ribeirinhos foram
paralisadas. O governo federal deve agora indicar um território, próximo a
Altamira e com acesso ao rio Xingu para destinar aos ribeirinhos e pescadores. O
MPF aguarda a definição desse território, que pode representar uma solução
inovadora em licenciamentos desse tipo. A premissa consta do Plano Básico
Ambiental: o respeito ao modo de vida dos grupos atingidos, em condições no
mínimo semelhantes à que detinham antes.
A forma de ocupação desse território deve ser
construída com a participação das próprias comunidades. A solução pode ser uma
inovação na forma como o governo encara as populações amazônicas atingidas por
empreendimentos de grave impacto socioambiental. "É preciso requalificação do
olhar para que a empresa compreenda o modo de vida do ribeirinho. E a correção
de rumos do reassentamento dependerá do protagonismo desses grupos tradicionais
que foram tornados invisíveis no processo de implantação da usina”, sustenta a
procuradora do MPF Thais Santi, que conduz as investigações em curso na
procuradoria da República em Altamira.
Para o MPF, "o processo de reassentamento dos
ribeirinhos deve, por primeiro, reconhecer a peculiaridade do seu modo de vida,
sendo que a construção dos caminhos para sua manutenção depende da garantia de
áreas de pesca, da transparência quanto às transformações do rio Xingu e do
acesso à cidade de Altamira, com a efetiva participação dos
atingidos".
Ministério Público Federal no Pará
Assessoria de Comunicação
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