A consulta já
foi considerada obrigatória em decisão do Superior Tribunal de
Justiça (STJ). Sentença exarada ontem (15) confirma consulta nos
moldes da Convenção 169
A Justiça Federal de Itaituba confirmou em sentença que o governo
federal está proibido de licenciar a usina São Luiz do Tapajós sem
antes realizar a consulta prévia, livre e informada conforme
prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do
Trabalho, que tem força de lei no Brasil. A sentença, do juiz Ilan
Presser, confirma decisões anteriores no mesmo processo, inclusive
uma suspensão de segurança do Superior Tribunal de Justiça. Todas
determinam que a consulta seja realizada, tanto com povos indígenas
quanto com ribeirinhos, antes da emissão de qualquer licença ao
empreendimento.
“Não se pode ignorar a assertiva de que a vontade da Convenção
169 da OIT, e do artigo 231 da Constituição é de, a partir do
exercício do direito de consulta, seja permitida a preservação e
fomento do multiculturalismo; e não a produção de um
assimilacionismo e integracionismo, de matriz colonialista, impostos
pela vontade da cultura dominante em detrimento dos modos de criar,
fazer e viver dos povos indígenas, que corre o grave risco de
culminar em um etnocídio”, diz a sentença judicial.
Para a Justiça, já está havendo violação do direito de consulta
por parte do estado brasileiro. “Em todo o procedimento de
licenciamento ainda não foi observado materialmente o direito de
consulta prévia. Ou seja, da leitura dos autos verifica-se que os
réus estão suprimindo direitos de minorias, materializados na
consulta. Ou, na melhor das hipóteses, estão invertendo,
indevidamente, as fases do licenciamento.”
A decisão cita jurisprudência nacional e internacional sobre o
direito à consulta e alerta para o risco do Brasil ser condenado na
Corte Interamericana de Direitos Humanos, como já ocorreu com
Suriname, Paraguai e Equador, por permitirem a instalação de
empreendimentos para extração de recursos em terras de populações
tradicionais sem a devida consulta prévia.
Durante o processo judicial foram feitas manifestações pelos réus
– Eletrobrás, Eletronorte, Aneel e Ibama – que indicam, de
acordo com a sentença judicial, falta de conhecimento sobre as
comunidades indígenas e tradicionais que habitam a região e serão
afetadas pelos empreendimentos. Em suas manifestações, os entes do
governo brasileiro tentam sustentar a tese de que não há impacto
sobre populações indígenas e tradicionais porque não há terras
indígenas demarcadas na área de impacto direto do empreendimento.
“Não se verifica adequada e razoável a alegação de que não
existe influência do empreendimento em áreas demarcadas, até
porque, como visto acima, existe indicativo de que as terras
indígenas Andirá-Marau, Praia do Mangue, Praia do Índio e
Pimental, KM 43 e São Luiz do Tapajós serão afetadas, algumas das
quais já demarcadas, como a Praia do Índio e Praia do Mangue”,
refuta o juiz federal na sentença.
A sentença menciona a situação da terra indígena Sawré Muybu,
dos índios Munduruku, que teria parte significativa de seu
território alagada pela usina e é objeto de outro processo
judicial, em que o governo tenta protelar a demarcação – já em
fase avançada – com o objetivo não declarado de facilitar o
licenciamento da usina. Os argumentos do governo nos dois processos
são complementares e auto-explicativos. No processo sobre a terra
indígena, a Fundação Nacional do Índio alega que não há
prioridade na demarcação. No processo sobre a usina que vai afetar
a terra indígena, é a vez da Eletrobrás e da Aneel alegarem que
sem demarcação, não cabe consulta prévia.
“Não resta outra conclusão possível senão a de que é
irresponsável e inconstitucional se fazer vistas grossas a um
possível e grave fato consumado de destruição sociocultural. Assim
como em Vidas Secas, de Graciliano Ramos, a cachorra Baleia sonhava,
de forma inatingível, com seus preás, não se pode permitir que os
povos indígenas, futuramente, ao recordar de seu passado, sonhem com
um presente que já lhes seja impossível desfrutar. Não se podem
relegar aos livros de História os elementos socioculturais de grupos
só porque possuem modos de criar, fazer e viver diversos da cultura
prevalente”, conclui a sentença.
Avaliações
ambientais
O Ministério Público Federal, autor da ação sobre a consulta dos
povos afetados pela usina São Luiz do Tapajós, também solicitou à
Justiça que obrigasse estudos mais amplos sobre os impactos,
levando-se em consideração que, apesar do licenciamento ser feito
para cada empreendimento, o projeto do governo é para pelo menos
cinco barragens no rio Tapajós e os impactos conjuntos ou sinérgicos
sobre a bacia hidrográfica deveriam ser melhor avaliados.
Para isso, o MPF pediu a obrigação de fazer dois estudos –
Avaliação Ambiental Integrada e Avaliação Ambiental Estratégica,
ambos previstos na legislação ambiental brasileira. A sentença
obriga o país a realizar um deles e não reconhece a necessidade do
segundo. No processo, o governo tentou se esquivar da necessidade das
avaliações apresentando o conceito de usina-plataforma, que
supostamente seria aplicado no Tapajós.
Na sentença, o juiz considera que falta comprovação suficiente da
eficácia desse modelo e que a Avaliação Ambiental Integrada é
tanto mais necessária pelo fato das usinas do Tapajós afetarem um
mosaico de áreas especialmente protegidas onde se localizam terras
indígenas, de comunidades tradicionais e unidades de conservação,
seja de uso integral, seja de uso sustentável.
Processo nº 0003883-98.2012.4.01.3902 – Vara Única de Itaituba
Ministério Público Federal no Pará
Assessoria de Comunicação
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