Por Claudio Mikio Suzuki*
Transar com rapaz menor de 14 é crime |
Na última semana de fevereiro de 2014, foi veiculado na internet, em larga
escala, principalmente nas redes sociais, que, supostamente, o filho do
proprietário da Friboi, de 13 anos, estaria namorando sua personal trainer de
30 anos (com várias fotos do suposto casal, ilustrando a notícia – vide foto
acima).
Ficou comprovado que o rapaz não era filho do proprietário dessa referida
empresa, conforme apurado pelo site e-farsas[1], e tão pouco se os fatos
(relacionamento entre o rapaz e a garota) e as idades dos envolvidos seriam
verídicos. Contudo, a questão permanece, explica-se, e se um rapaz de 13 anos
namorar uma mulher de 30 anos e com ela mantivesse conjunção carnal, haveria
crime de estupro de vulnerável?
A resposta é simples: sim, haveria o crime disposto no art. 217-A do Código Penal, pois
assim é sua redação:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor
de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
Ora, o texto é claro. Se a mulher, no caso, sujeito ativo do delito, tinha
ciência da idade do garoto (sujeito passivo) e ainda assim mantivesse conjunção
carnal, esta estaria praticando o delito em comento.
A Lei 12.015/09, que alterou a
redação do então capítulo “Dos crimes contra os costumes”, para “Dos crimes
contra a dignidade sexual” teve justamente o objetivo de dar opção às pessoas a
liberdade de dispor de seu próprio corpo para a prática do ato sexual, arbítrio
este garantido pela carta magna.
Contudo, essa liberalidade é limitada a autonomia plena e consciente do ato
sexual, o que não acontece, por exemplo, com os considerados vulneráveis pela
lei, dente eles os menores de 14 (catorze) anos.
É o que sustenta parte da doutrina, como por exemplo, Cezar Roberto
Bitencourt[2], senão vejamos:
“Na verdade, a criminalização da conduta descrita no art. 217-A procura
proteger a evolução e o desenvolvimento normal da personalidade do menor, para
que, na sua fase adulta, possa decidir livremente, e sem traumas psicológicos,
seu comportamento sexual”.
Esse posicionamento não é o majoritário, contudo. Há vários autores que
sustentam a hipótese da manutenção da discussão sobre a relatividade dessa
prova, que era um dos maiores debates sobre o tema, antes do advento da Lei 12.015/09, conforme se
observa na obra de Renato de Mello Jorge Silveira[3]:
"Mesmo assim, ainda hoje, não raro se encontram diversas decisões
estribadas em presunções absolutas quanto à violência, em especial no que tange
à relações sexuais com menores de 14 anos. A realidade dos anos 40 do século
passado (quando já se entendia ser diferente da de 1890, justificando, assim, a
redução da idade de presunção de violência) é bastante diferente da vivida no
início do século XXI. Dificilmente nega-se o conhecimento das coisas do sexo
aos jovens, ao menos em noções perfunctórias. Verdade absolutas não são
passíveis de admissão".
Ou seja, à época a “eterna” discussão era sobre a presunção de violência, se
a mesma é relativa (“iuris tantum”) ou absoluta (“iuris et de iure”),
em caso de sexo consentido com menores de 14 anos.
E mesmo após o advento da referida lei, a doutrina sustenta sobre a
relatividade da presunção, não mais da violência, mas sim da vulnerabilidade do
sujeito passivo. Guilherme de Souza Nucci[4], explica o referido
posicionamento:
"O nascimento de tipo penal inédito não tornará sepulta a discussão
acerca do caráter relativo ou absoluto da anterior presunção de violência.
Agora, subsumida na figura da vulnerabilidade, pode-se tratar da mesma como
sendo absoluta ou relativa. Pode-se considerar o menor, com 13 anos,
absolutamente vulnerável, a ponto de seu consentimento para a prática sexual
ser completamente inoperante, ainda que tenha experiência sexual comprovada? Ou
será possível considerar relativa a vulnerabilidade em alguns casos especiais,
avaliando-se o grau de conscientização do menor para a prática sexual? Essa é a
posição que nos parece acertada".
Nessa mesma seara defende Paulo Queiroz[5], senão vejamos:
“(...) a proteção penal não pode ter lugar quando for perfeitamente possível
uma autoproteção por parte do próprio indivíduo, sob pena de violação ao
princípio de lesividade. Finalmente, a iniciação sexual na adolescência não é
necessariamente nociva, motivo pelo qual a presumida nocividade constitui, em
verdade, um preconceito moral”.
Não compartilhamos do acima exposto pelos renomados autores. Entendemos que
a nova lei trouxe uma definição fixa, sem que houvesse lacunas para interpretação
da vulnerabilidade do menor, justamente para acabar (ou tentar) a infindável
discussão sobre a relatividade de sua prova. O intuito do legislador fora
justamente esse, o de proteção do indivíduo que supostamente não tem a
maturidade suficiente para discernir sobre sua liberdade sexual, a opção de
escolher seus parceiros, podendo-o fazer, apenas com mais de 14 anos.
Afinal, se no caso concreto exposto, o menor de 14 anos fosse uma menina, e
a pessoa de 30 anos fosse um homem, muitos concordariam com a ideia de
inexistência de relatividade na aplicação da idade como delimitador da
vulnerabilidade. Contudo, como no caso o menor, é um garoto, e a mulher, uma
personal trainer muito bem apessoada, muitos sequer imaginaram a possibilidade
da ocorrência do delito em estudo.
Trata-se ainda do ranço machista que temos em nossa sociedade onde os
meninos precisam se auto afirmar sexualmente desde cedo, ainda em sua tenra
infância. Já a menina deve ser recatada e guardar a sua liberdade sexual até o
casamento.
Ou seja, para aqueles que sustentam tal posicionamento, machista, esquecem
que as mulheres se desenvolvem fisicamente e psicologicamente de forma muito
mais precoce que os homens, e seria um contrassenso o afirmado. Mas a lei não
distingue o gênero, mas tão somente a idade. Ou seja, ao manter relação sexual,
ou qualquer ato libidinoso com menor de 14 anos, seja com agentes de sexo
masculino ou feminino, configura sim, o crime do art. 217-A do Código Penal.
[*] Claudio Mikio Suzuki é Advogado. Mestre em Direito pela FMU/SP. Aluno regular do curso de Doutorado em Direito Penal pela Universidad de Buenos Aires (UBA). Especialista em Direito Penal (2001) e Processo Penal (2002) ambos pela FMU/SP. Professor do curso de graduação e pós-graduação em Direito da UniNove/SP, da pós-graduação em Direito da FMU/SP e do Curso de Extensão Universitária em Direito Digital do SENAC/SP.
Fonte: JusBrasil
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