Em
quatro meses, sete pessoas foram executadas nas ruas da cidadezinha.
Crimes podem estar ligados à disputa por um lote de terras públicas
onde atuam grileiros
Dez anos depois do
assassinato da irmã Dorothy Stang, a pequena cidade de Anapu, às
margens da rodovia Transamazônica no Pará, volta a ser assombrada
por assassinatos e atuação de pistoleiros. Entre julho e outubro de
2015, sete pessoas foram executadas por assassinos com carapuças ou
capacetes de viseiras escuras. Todas as mortes ocorreram na área
urbana de Anapu mas, para a Comissão Pastoral da Terra, a estratégia
de matar na cidade é uma tentativa de disfarçar a motivação
agrária dos crimes: o lote 83, uma área de terras públicas
disputada por posseiros e grileiros.
A CPT enviou carta
ao Ministério Público Federal em que relaciona os crimes à
Regivaldo Pereira Galvão, conhecido na região como Taradão,
assassino condenado a 30 anos de prisão pela morte de irmã Dorothy
que nunca chegou a cumprir pena, porque recebeu do Supremo Tribunal
Federal o direito de recorrer em liberdade. De acordo com a CPT, o
lote 83 é terra pública, mas ficou conhecido na região como
Fazenda do Taradão.
A CPT informou ao
MPF a existência de um grupo de homens armados trafegando pelas
vicinais da região em caminhonetes com armas em punho e ameaçando
pequenos agricultores e posseiros que vivem na região do Lote 83. As
violências, para a CPT, estão relacionadas com a atuação de
Regivaldo Galvão, que até hoje não cumpriu pena pelo assassinato
de Dorothy Stang. “Em janeiro do ano passado sua sócia e esposa,
Rosângela Galvão, intimidou vizinhos no local, dizendo que eram
'proprietários', 'com papéis desde 2001', que não tolerariam
perder a terra, se 'na lei não funcionasse' tinham 'seu jeitinho'
como 'naquele outro caso'”, diz a carta enviada pela CPT ao MPF.
O documento
menciona, além dos sete posseiros já executados, a existência de
uma lista com mais de 30 nomes de moradores que estariam marcados
para morrer. “Inaceitável a falta de diligências, a conivência
ou inação”, diz a carta da CPT, que acusa autoridades agrárias e
policiais de ignorar e negligenciar a escalada de violência em
Anapu.
As denúncias da CPT
vão ser investigadas pelo MPF em um inquérito civil que correrá na
Procuradoria da República em Altamira.
Veja
trecho da carta da CPT
Sete
execuções em Anapu de julho a outubro 2015
Cinco
delas mostram claras ligações com grupo armado flagrado no lote 83
desde maio.
5
de julho. Edinaldo Alves Moreira, conhecido por Lourinho
ou Lourim. Na área urbana de Anapu, local conhecido como
“Prainha”, poucos minutos após chegar de visita ao lote 83. Um
indivíduo chegou numa moto preta sem placa, sem tirar o capacete,
acercou-se de Edinaldo e atirou. Pânico no local.
11
de agosto, Jesusmar Batista de Farias (conhecido como Suis
ou Zuis). Nascido em Anapu de uma das primeiras famílias a
instalar-se na localidade. Assassinado na própria oficina de
motocicletas no Bairro Alto Bonito voltando de visita ao lote 83.
Denunciou a amigos que estava recebendo “avisos” de morte por
supostamente apoiar os agricultores nos conflitos do lote 83. Disse
que se “algo acontecesse” seria responsabilidade “dos chefes
dos pistoleiros do 83”. Disse estar sendo vigiado na oficina e
apontou ligações com policiais civis. O assassino chegou em moto
preta sem placas, desceu sem tirar o capacete e atirou em Jesusmar. A
família inteira fugiu atemorizada no dia seguinte ao enterro.
21
de agosto, conhecido como Choca ou Choque.
Agricultor, saiu do lote 83 dizendo que ia para Marabá porque a
situação estava muita perigosa por pistoleiros. Informação não
oficial de dentro da polícia civil de Anapu relatou que vítima foi
encontrada morta em Marabá no dia seguinte a saída do lote 83.
22-23
de agosto. Cosmo Pereira de Castro, idoso, assassinado entre bar
da vila do Surubim – Grotão e sua casa próxima. Várias
testemunhas relatam Cosmo estavea conversando no bar sobre as
ocupações - teria dito que sabia que o lote 83 eram terras federais
e públicas diante de grupo de homens armados que acompanhavam alguém
que se apresentava como “pai de Debs antonio Rosa, suposto dono do
lote 83. Este personagem seguiu Cosmo saindo do referido bar. Cosmo
foi encontrado morto a tiros. Nada tinha a ver com conflito no lote
83, viúvo vivia da agricultura em seu lote. A população já havia
denunciado que o bar era frequentado à noite pelos pistoleiros
acantonados na sede do lote 83, denominados pelos locais de escolta
armada de Taradão. Para
entender a denominação basta ver a foto do site da empresa Atalaia
– segurança patrimonial rural. Ouvidoria Agrária recebeu a
informação que Debs Antonio Rosa contratou tal empresa de
Araguaína, que deslocou pessoal “operacional” para a região.
10
de outubro, Hércules Santos de Souza, de apenas 17 anos, filho
de Vagno Alves de Souza e Francisca Resplandes dos Santos.
Assassinado em uma praça no centro de Anapu saindo de uma festa.
Quatro homens em duas motos, um deles atirou e matou o jovem no local
e levaram a moto da vítima diante de testemunhas. Família dele
vinha sendo ameaçada após denunciar pistoleiros a mando de
“se-dizem-donos” do lote 46 da mesma gleba Bacajá. Registraram
inclusive a pistolagem para Ouvidoria Agrária em Anapu.
27
de outubro, José Nunes da Cruz Silva (conhecido
como Zé da Lapada).
Nove horas da noite na rua Oscar Dantas, Bairro Alto Bonito,
saindo de local de comida de rua com a esposa Socorro. Dois homens
numa moto pop, se acercam e o da garupa atira acertando a perna e
derrubando Zé. Em plena rua movimentada matadores dão volta
e seguem atirando na cabeça da vítima, poupando Socorro.
Em
agosto Zé da Lapada recebeu Debs Antonio Rosa em casa, a pedido do
último, exigindo que “fosse sem a escolta armada”. Debs
foi deixando uma caminhonete com capangas estacionada de modo
visível. Debs ameaçou José Nunes e até a esposa no encontro, e
disse “quem mais sofre (nestes casos) são as mulheres”. “Fique
certa que nada acontece para sra.”. Depoimento
registrado de José em setembro de 2015.
31
de outubro, Claudio Bezerra da Costa (conhecido
como Ivanzinho).
Dois homens chegaram numa moto
na área trabalhada pela família conhecida como parte da fazenda de
João Jorge. O casal estava afastado, filho jovem estava só. Um
dos matadores encostou arma no menino dizendo que estava à “procura
de serviço”. Ivan e a esposa se acercam e o mesmo indivíduo
disse: “meu serviço chegou”. Começou a atirar contra Ivanzinho
que atingido, correu. Sua esposa atracou-se com o outro matador, foi
golpeada ficando inconsciente. O filho que tinha corrido para casa
voltou para defender o pai com arma de caça, acertou um tiro no
matador que atacava sua mãe. O outro matador matou Ivanzinho
no local. Saíram na
moto. Alguém telefonou ao hospital local anunciando chegada de um
ferido a bala, que nunca se apresentou.
Ministério
Público Federal no Pará
Assessoria de Comunicação
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