Por Samuel Lima (*)
De repente as 11h45min eclodia um sonoro apito na
calada da noite da pequena e pacata cidade.
Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii. Era um sonido chato e demorado da
caldeira da companhia Amazonas em Portel, mas com o passar do tempo, devido a
sua imprescindível utilidade, tornou-se um axioma.
Para muitos era de grande
valia. Pois, tinha várias finalidades, dentre elas, a de despertar os
funcionários para o turno de trabalho naquela empresa e para os desorientados
da vida –, que chegara o momento de se recolher e ou, acertar aos ponteiros dos
velhos relógios. Convém salientar que poucos permaneciam acordados até a
meia-noite. Salvo engano, aos poucos profissionais que naqueles tempos havia.
Já nós, os moleques, depois de ouvir sem entender “PN” o programa radiofônico
“A voz do Brasil”, que era sagrada pro meu pai ouvi-la, no velho “radio
campeão” – que chiava pra caramba -, tínhamos de ir deitar por livre e espontânea
vontade, sem pestanejar, e noutras, compulsoriamente, na base da porrada.
Ai do
moleque que ousasse levantar pra ao menos ir tomar água. Não era permitido dar
um pio, pois, o papai tinha de dormir cedo - para logo mais ir trabalhar. Pela
manhã, nós também tínhamos de levantar com a aurora pra ajudarmos nas tarefas
domésticas, irmos pra escola, fazermos as vendas e quando dava – uma partida de
bola no campinho, improvisado no quintal. Já nesses tempos pós-modernos, também
chamados cibernéticos, a humanidade está passando por mudanças tão céleres que,
em poucas décadas, as alterações dos usos e costumes avançam mais do que em
milênios inteiros em tempos passados. A tecnologia e os usos e costumes
surpreendem as pessoas em tão curto espaço de tempo dando a impressão de
terminar uma vida e iniciar outra sem que a pessoa tenha morrido ou se mudado
de planeta. O que ontem era tradição pétrea, amanhã poderá ser infração ou
desuso ridículo. Só o trabalho permanece intocado e imutável. Até o tempo dos
papas sisudos e cerimoniosos já pertence ao passado. As preocupações e os
objetivos catequéticos hoje são outros. A espiritualidade está se adaptando à
cibernética. Os ouvintes, que até recentemente eram apenas locais, hoje são
globais. Os chamados à oração e à meditação abrangem o planeta instantaneamente
e a custos ínfimos. O cajado do pastor é a mídia multicolorida que alcança e
concentra as ovelhas onde quer que estejam.
Os apelos à fraternidade, à solidariedade e à
caridade predominaram na Jornada Mundial da Juventude. Vidas de beatos e santos
foram citadas como exemplos a seguir. A exclusão social dos idosos está ficando
preocupante, bem como, dos jovens. São realidades inaceitáveis na sociedade
cristã. Por isso a evangelização tem que se tornar cada vez mais abrangente e
dispor de recursos amealhados através do trabalho honesto e dignificante.
Sua Santidade o papa Francisco também se referiu ao
combate à corrupção, mas com parcimônia. Certamente para não irritar as
ratazanas do nosso erário. E com parcimônia ainda maior referiu-se ao trabalho.
Logo o trabalho que põe a mesa de ricos e pobres. Que ocupa as pessoas e falas
sentirem-se úteis. Que substitui a mendicância. Que constrói igrejas, escolas e
casas. Que afasta os jovens das drogas e do computador perverso. Infelizmente
no Brasil, e isso o papa deve ter levado em conta, crianças e adolescentes são
proibidos de trabalhar. O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) pune
severamente os infratores. Que o estudo seja a ocupação primordial é lógico,
natural e normal. Mas nas horas desocupadas, um trabalhinho condizente,
pensando no futuro, é também um meio de afastar o jovem da perdição das drogas,
da prostituição e dos furtos. Infelizmente, o trabalho que deveria ser um dos
assuntos fundamentais da JMJ, quase passou em brancas nuvens. Certamente por
culpa dos anfitriões.
Hoje o conforto e a tranqüilidade dos países
desenvolvidos têm origem no trabalho organizado, bem como, nos estudos e no
lazer das suas crianças e jovens que logo darão continuidade à prosperidade
futura. Criança que não tem contato nem afinidade com o trabalho, quando
adulta, acha o trabalho uma chatice ou um castigo. E, a partir daí, procura por
todos os meios viver sem trabalhar, tanto dependendo de familiares, de furtos,
de corrupção, do tráfico e, até, de esmolas. A aterradora insegurança pública
que hoje sofremos no Brasil tem muito a ver com a proibição das crianças
aprenderem e se acostumarem a trabalhar.
No final da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha e o
Japão não passavam de montes de escombros. Mas como eram povos trabalhadores,
logo estruturaram os trabalhos da reconstrução e seus sistemas de educação. Os
adultos trabalhavam doze horas por dia e os estudantes trabalhavam após as
aulas. Os milagres econômicos floresceram em pouco mais de uma década e os dois
países voltaram a figurar com destaque na economia global. E para ilustrar, o
ministro alemão da reconstrução, Ludwig Erhard, ao ser perguntado pelos
segredos do milagre, respondeu: “apenas deixamos trabalhar quem queria trabalhar
e animamos os desanimados ao trabalho”. Com certeza eles não impuseram um ECA,
os Bolsas-preguiça da vida e nem uma legislação trabalhista que nós brasileiros
temos que engolir. E os resultados estão à vista de todos, deles e de nós. Se
os pais ditos “cafonas” do passado não tivessem feito o que fizeram –
certamente não teríamos o legado que outorgou à dignidade que dá honra em tempo
presente a pessoa humana que é o trabalho.
(*) Portelense, economista,
pesquisador-chefe do Instituto de Desenvolvimento Socioeconômico do Estado do
Amapá e atual Secretário Municipal de Planejamento de Mazagão (AP). E-mail:
samlima17@yahoo.com.br – face book: Samuel Barbosa Texto produzido em
Santana-AP-Brasil, em 09 de agosto de 2013, às 12h30min
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