Por Samuel Lima (*)
Olá!
É madrugada e estou sentado à mesa na qual me sento como
artesão na arte de trabalhar meus projetos de ordem econômica e também nas
horas vagas, na arte de trabalhar as letras – quando engendro minhas idéias -
que preenchem este espaço diariamente.
A noite está fria, mas, maravilhosa. A minha rede está atada
à minha espera - um pouco surrada, porém, macia e convidativa. Em alguns
instantes depois, a noite ficou muito escura e esparsamente pontilhada de
pontos cintilantes, prateados no universo escuro, por nuvens ameaçadoras de
chuva, que castigaram a cidade, nesse inverno que não deu trégua.
Busco inspiração para escrever. A minha mente abstrai-se de
tudo e o pensamento voa. Dos escaninhos de minhas lembranças distantes, como
raios fulgurantes, emergem lembranças de um passado longínquo. Por não ter podido
ir nesse final de férias pra nenhum lugar, especialmente à Portel (PA), minha
cidade natal, as lembranças mais uma vez, me impeliram para viajar no túnel do
tempo e relembrar os feitos de infância naquela encantadora terrinha. A partir
de então, entrei no facebook e bati papo com vários amigos portelenses (Ronaldo
de Deus, Miro Pereira, Roberto Andrada, J Raimundos e Raimundos, Vereador
Ronaldo Alves, Carlos Moura, Rosana do Hotel Marino, Zezé do Castelo, Gerson
Pereira e Joana Lima – minha irmã).
Após desligar o notebook, resolvi deitar, mas o sono não
veio. Aí vieram as lembranças. Vejo-me pela primeira vez, diante de um homem
magro, alto, de óculos fundo de garrafa – seu Antônio Canela, o temível
barbeiro da cidade, que tal qual ao dentista, tinha o condão de amedrontar as
crianças. Talvez tivesse uns seis anos de idade, quando chegou o dia aguardado
da visita à barbearia.
Morávamos na Rua Castelo Branco, entre as ruas Padre Antônio
Vieira e a Magalhães Barata. Era uma manhã de sábado. Meu pai tomou-me pela mão
direita e na do meu irmão, o Lucio e seguimos à barbearia. Minha mãe passou sua
mão tutelar sobre a minha cabeça, num carinho sutil e saímos como cordeiros ao
matadouro. Um temor inquietante deixava-me nervoso.
Para mim, o barbeiro era um carniceiro, sempre com uma
tesoura e uma navalha empunho, disposto a cortar o pescoço de menino chorão.
Antecipadamente pensava no meu sangue que, certamente, o barbeiro faria jorrar.
Passamos pela jaqueira do vizinho – um senhor cognominado “Tuxaua” – que morava
na Rua 1º de Maio, esquina com a Magalhães Barata. As frutas expostas e com o
seu cheiro convidativo, provocavam água na boca. Mesmo diante do medo, aquelas
frutas convidavam despertar o apetite infantil. Fomos caminhando pela rua
íngreme, lamacenta e escorregadia.
O meu pai resolveu conversar com a gente, para tirar-nos
daquela mudez, quebrada apenas pelo nosso caminhar na depreciada rua. A
jaqueira ficava cada vez mais distante. Mais adiante ficava a Grupinho “Jurú”
vigiado pelo seu Aristides, onde crianças diferentes de mim, ali brincavam e,
talvez, sem o medo de cortar o cabelo. Nosso pai nos animava. “Meninos, a
barbearia (na casa do Seu Antônio Canela) não está muito longe”. Ficava próximo
ao Clube de Mães, Na Rua Dez de Dezembro. Dobramos na esquina da Oficina de
bicicletas do Seu Barbosa (Pai do Lourão), que cortava os remendos dos pneus
furados com uma amolada faca, que fazia me lembrar da navalha afiada do
barbeiro. Muitas pessoas iam e vinham. Umas com galinhas penduradas; outras com
colchão de porco amarrado com barbante; outras com cachos de banana
transportados na cabeça; outros empurrando com os pés o botijão de gás rumo ao
depósito de vendas da concessionária de mesmo nome - a Paragás. Era um
burburinho mercadológico de cidade interiorana.
Finalmente, chegamos à barbearia, uma sala desajeitada,
quase envolvida de uma penumbra. Filtrada pelo clarão que projetava de uma
pequena janela. Eu continuava mudo. O coração disparava e as mãos suavam frio.
Os fregueses tagarelavam e riam e não sei de que. Não achava nenhuma graça
daquela situação de agonia. O barbeiro querendo ser simpático cumprimentou meu
pai e tirou uma “onda” comigo. Nem leu nos meus olhos o estado de nervos com
que me encontrava, consolou-me, com palavras reanimadoras. Vi um filete de
sangue jorrar do pescoço de um cliente. O barbeiro passou um liquido com um
algodão tentando estancar o sangue. Aquilo me apavorava ainda mais. Está
chegando a hora fatal. Quando o carrasco ia nos guilhotinar - foi quando ouvi
dizer: “Seu Zé Oliveira, chegou à vez dos seus meninos e qual deles vai
primeiro”? perguntou o profissional. “Vai aí o mais velho” – respondeu o papai,
animado. Nesse momento tive vontade de correr, desaparecer. Meu pai pegou-me
com seus braços fortes e colocou-me em cima de uma caixa de madeira, que havia
sido colocada sobre a cadeira, para aumentar altura. Não tive alternativa senão
chorar.
Eu já não chorava, gritava mesmo. O barbeiro embrulhou-me
num pano branco, como se fosse uma mortalha, o que fez lembrar mais da morte. E
continuava: ai! ai! não quero! não quero! Me largue seu Antônio Canela.
Sacudia-me todo. O barbeiro para me acalmar disse: “fica quieto, senão vou
cortar tua orelha”. A frase em vez de me acalmar, deu-me foi mais pavor, mas
fui deixando aos poucos de me mexer. Meu pai impoluto, observava tudo com
tranqüilidade. O barbeiro pode então começar cortar o meu cabelo e as primeiras
mechas de cabelos lisos começaram cair no chão. No momento da navalha, meu pai
a mim solidário, dispensou o uso daquele instrumento para fazer o pé do cabelo.
Finalmente, depois do corte do meu irmão que não deu tanto trabalho como eu -
papai pagou o barbeiro com algumas notas de um cruzeiro.
Ao voltarmos para nossa residência, passamos na baiúca do
saudoso Sabá Correia e o papai comprou pra nós umas donzelas com guarasuco.
Chegando em casa, nossa mãe, nos olhou e nos afagou, dizendo: aqueles cabelos
eram dos que vão no navio dos cabeludos. Agora estão parecendo uns rapazinhos.
Tempos depois, papai insistiu com aquela obsessão de mandar cortar nossos
cabelos iguais aos dos milicos da época. Por estarmos vivendo na ditadura
militar brasileira, quem era cabeludo era sinal de subversivo ou malandro.
“Deus me livre de deixar meus filhos assim”, diziam as senhoras da época,
fazendo o sinal da cruz.
Com o passar do tempo, apareceu o Edisvan Soares – que era
um barbeiro bem mais atualizado, e começou fazer cortes mais bacanas e menos
pelado. Mas o papai insistia com os cortes cuias - corte no pente zero com
apenas o topete na extremidade frontal da cabeça. Certa vez, de tanto me darem
selo (bofete na careca) e me chamarem de urubu pelado, fui humilhado dentro de
sala de aula. Não titubeei dessa vez e respondi: “É o C da tua mãe”. Aí o
ofensor se sentiu ofendido e disse: “Vou te pegar lá fora, no recreio”. “Umbora
ver – respondi”. Quando bateu a campainha do intervalo, caímos na porrada no
quintal da escola (Amazonas). Com isso fomos parar na secretaria. Ao ser
inquirido pela diretora da época – Dona Maria Matos, disse: “Amanhã vocês só entrarão
na escola com a presença dos pais de vocês aqui”. Era o fim de uma época (do
corte de cabelo pelado) que hoje me traz nostalgia e risos.
Enfim, por estar findando o mês de julho e entrando no mês
seguinte – que, segundo o calendário gregoriano, homenageia aos pais no segundo
domingo de agosto. Em face disto, presto aqui em público o honroso e
antecipadamente “FELIZ DIA DOS PAIS”, a todos os genitores brasileiros, em
vida. Particularmente, aos portelenses e, em especial, a memória daqueles que
já se foram - que para os filhos (as) nunca morreram e continuam seus eternos
heróis – os quais descansam de suas fadigas e suas obras os acompanham, e
dentre esses, jaz na minha mente, a eterna memória do senhor José de Oliveira
Lima – O meu Pai.
(*) Portelense, economista, pesquisador e atual Secretário
Municipal de Planejamento em Mazagão (AP). E-mail: samlima17@yahoo.com.br –
facebook: Samuel Barbosa Texto publicado em 28 de julho de 2013, em Santana-AP
– Brasil.
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