Por Ana Aranha
Enquanto se arruma para a escola,
Alice Maria Libório, 10 anos, também se prepara para encarar seu medo. Em dias
de ventania na Ilha de Marajó, antes do barco de madeira que faz o transporte
escolar chegar, a mãe embala a filha e sua mochila em sacos plásticos e
aconselha: sente no meio. Alice tenta obedecer, mas os bancos costumam ficar
lotados. Ela se agarra a uma coluna no canto do barco e vai em pé. Pernas
travadas, olhos fechados. Torcendo para chegar seca e salva.
Alice mora na zona rural de
Portel, município paraense onde os rios servem de estrada. Sua casa se sustenta
em palafitas sobre o rio Pacajá. Como os sete irmãos, ela aprendeu a nadar
enquanto dava os primeiros passos. Por isso, conhece bem os perigos do caminho
percorrido pelo barco escolar. Em dias de vento na baia que leva o mesmo nome
do rio, as ondas fazem lembrar o mar.
Foi em manhãs assim, ao menos
três vezes no ano passado, que ela viu colegas tombarem na água com mochila e
tudo. “Teve um meninozinho que caiu, aí pararam o barco e puxaram ele. Sentou
todo molhado na sala”. Quando Alice lembra da imagem da criança encharcada
assistindo aula ao seu lado, os poros do seu braço ficam arrepiados. “O barco é
velho, entra água pelas tábuas soltas, pode até afundar”, ela diz, alisando a
pele do braço. “Tenho medo”.
Entrevistei Alice para reportagem
sobre o mau uso do orçamento da educação em 2012, pela Agência Pública. Quando
bati na porta da prefeitura com essa e outras denúncias, o prefeito não se
abalou. Pedro Barbosa, então no PMDB, rebateu de primeira: os temores de Alice
seriam “invencionices”. “Esses meninos nasceram e se criaram dentro desses
barcos. Se der algum problema, eles mesmo sabem consertar”, disse o prefeito. O
seu então secretário da educação foi além. Disse que os próprios alunos se
jogam na água, com o barco em movimento, porque gostam de nadar.
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